sábado, 25 de maio de 2013

A Despedida




O ano corrente era 1914.

        Época em que as garotas pobres ou ricas ainda eram visadas por suas famílias como promessa para um bom casamento,uma recuperação e até mesmo a soma de bens que futuramente viessem a ser adquiridos pelos respectivos herdeiros.Os pais de Carmelita outrora; possuíra uma boa quantia de terras nos arredores de uma cidadezinha histórica de Minas Gerais.Isto os elevara na ocasião à categoria de classe média ;porém seu pai teve de sanar as altas dívidas que havia contraído e a sofrida família novamente voltou à estaca zero. Deste modo a menina de tez clara e cabelos desgrenhados no alto de seus récem-completados quinze anos,nunca sofrera os respingos da riqueza. O vestido de veludo vinho pesado e puído havia sido presente de uma tia quando ela chegara aos treze anos.
Tia Sofia. __ era como a chamava. Havia dito tê-lo adquirido em um brechó de São Paulo. Ela residia lá desde que se casara com o Sr. Marcos Fontes um empresário português que fincara pés na cidade brasileira no intuito de fixar e expandir ali a sua pequena indústria do ramo do café. Carmelita se via triste ao observar as três filhas do patrão de seu pai vestidas sempre com os mais finos tecidos de casimira e gorgorão bordados a fio de seda dourado;quando podia contar nos dedos de uma só mão a quantidade de vestuários descentes para acompanhar sua mãe até a igreja no entardecer de sábados. Se seu pai não tivesse enveredado pelo o alcoolismo tudo seria diferente e agora não estariam fugindo das goteiras de chuva que teimavam em encharcar o velho tapete da sala. O mês de maio era sempre o prenúncio de uma angustiante temporada para a prole Silva,composta por mais seis filhos sendo quatro meninas e dois meninos além de Carmelita;a primogênita.Eles preenchiam a grande casa de assoalho rangente de madeira com seus pulinhos,brincadeiras e alaridos.
     Mesmo sem agasalhos que os cobrissem justamente todos corriam até o campinho em frente a casa e lá ficavam a chutar para um lado e para o outro a bola improvisada com meias velhas;bem mais velhas do que aquelas que cobriam seus pés.Depois se amontoavam em almofadões de estopa junto ao fogão a lenha para se aquecerem;o grande fogão feito de pedra sempre abastecido por troncos de eucaliptos e outras madeiras coletadas na região.Apesar das intempéries que os abatia Carmelita se mantinha firme no sonho de alavancar algo bom e promissor para sua subsistência e casamento arranjado não fazia parte dos seus planos. Naquela tarde havia escrito uma carta para Tia Sofia implorando-a que tivesse piedade dela e lhe introduzisse na sociedade para uma vida mais justa que a puxasse daquele marasmo,da ignorância,da tristeza e da monotonia daquele lugar no meio do nada. Amava sua família,mas alguém tinha de fazer algo bom e inovador em prol daquela causa. (Por amor) !

     Dois meses se passaram após o envio de suas palavras aflitas à Tia Sofia ;nenhuma resposta até então. Era sábado,dia de acompanhar a mãe até a igreja. Carmelita escovou  vigorosamente os cabelos louros até que brilhassem. Depois que os banhara com chá de poejo como sua vó ensinara a raiz havia se fortalecido e os cabelos alcançavam a altura da cintura levemente ondulado nas pontas;emoldurando o rosto pequeno e atraente. O vestido rendado azul-marinho esticado sobre a cama ainda mantinha a imponência de roupa de sábado. Ouviu o apito do trem ao longe,um fio de esperança fisgou seus pensamentos.___ Talvez Tia Sofia tivesse vindo resgatá-la
Vestiu-se.
Passou brevemente no quarto da mãe e ajudou que ela prendesse os longos cabelos negros num coque. Ressaltava a diferença entre as duas,a jovem menina quase mulher no auge da perfeição;a mãe havia completado quarenta e três anos no último verão,porém o sofrimento  endurecera lhe a expressão e fizera seus grandes olhos castanhos em destaque na face ossuda. A aparência era de cinquenta e cinco.
   Enquanto caminhavam até o portão de arame ambas ouviram a voz de Tia Sofia e Carmelita  correu para abraçá-la primeiro . A esperança voltou.
Na tarde de terça-feira Tia Sofia e a sobrinha embarcaram no trem à um destino mais feliz. Pelo menos este era o pensamento de Carmelita. No entanto convencer seu pai não havia sido fácil,mas com jeito e as palavras certas sua tia; a irmã dele o vencera pelo cansaço. No quarto após a decisão em favor de seu sonho Carmelita ouve a mãe soluçar baixinho. A menina tinha fé que a situação fosse melhorar com a quantia que pretendia ganhar por lá e enviar para casa. E assim Carmelita sonhava enquanto vislumbrava através da janela os campos verdejantes que iam ficando para trás.
   Primeira vez na grande e suntuosa São Paulo.
    O trem apita,range e finalmente para na estação. Ambas saltam,estão exaustas;o motorista da família as espera logo em frente.A rua de pedras maciças levam o carro em oscilações constantes até a entrada da moradia dos Fontes. Logo na chegada a menina percebe a altivez do lugar,um jardim com mini-árvores bem cuidadas enfeitam o terreno defronte ao bonito sobrado com paredes inteiramente contornadas com azulejos português. Carmelita apertou junto ao corpo o pequeno saco de algodão que trouxera com as poucas roupas descentes que possuía,o diário amarrotado de folhas amarelas também não havia sido abandonado na cidade mineira;seu fiel companheiro,amoroso e amigo. Com ele ela sempre se despia de toda e qualquer cautela com as palavras.Independente do assunto as páginas simplesmente se curvavam e aceitavam todo o seu fardo sem questionar. Presa nos próprios pensamentos ela não percebe quando já adentrava a grande sala margeada por pesados móveis e tapetes de pele. Inspecionou ao redor enquanto batia a poeira dos sapatos e observou um quadro ridiculamente pintado que pendia da parede de tijolos vermelhos.Não que estivesse apta à discursar sobre o valor artístico daquela obra,mas não precisava ser uma especialista para perceber a semelhança daquela peça com os desenhos e pinturas que seus irmãos menores criavam com lama e jornais.
   Tia Sofia encaminhou para o corredor lançando-lhe um olhar indicando a direção à ser seguida. A irmã de seu pai era uma mulher de poucas palavras e ela num misto de esperança e devaneios se mantinha aparentemente amortizada perante a novidade alcançada. 
___ Sente-se.__ordenou a dona da casa adentrando a cozinha e apontando para a cadeira.
      Um recipiente de vidro sobre a mesa coberto com uma toalhinha de filó exibia um bolo de fubá já devorado pela metade.Carmelita puxou a cadeira e acomodou-se pousando o saco de algodão no colo.Neste momento sentiu o estômago roncar. Tia Sofia movimentou-se pela cozinha e arreou uma chaleira cheia de água no grande fogareiro que ficava em um degrau no canto do recinto;abasteceu de mais combustível e saiu em direção a um dos quartos.Quando voltou havia trocado o conjunto chique por um vestido longo,florido e desbotado. Carmelita esgueirou as mãos sobre a toalha que cobria o bolo ,pegou algumas migalhas e discretamente jogou na boca.
___Parta um pedaço grande menina.___instruiu a senhora.
      Ela o fez;ao mesmo tempo que inalava o cheiro inebriante do café que preencheu o cômodo.
     Ambas se serviram .
     Logo; saciadas Tia Sofia recolheu-se ao seu aposento depois de mostrá-la também onde ficaria instalada.Carmelita pousou o saco na mesinha de cabeceira e tirou os sapatos afundando no colchão;tomaria um banho escaldante em algumas horas.Primeiramente precisava tirar um cochilo.Antes de fechar os olhos divagou sobre aquele ambiente,o quarto embora pequeno comparado ao da casa de seus pais em Minas era luxuoso. Um lustre feito de contas vermelhas pendia do teto lançando sombra nas paredes,ela cruzou as mãos sob a cabeça acima do travesseiro e se pôs a observar a aranha entretida com os pontos de sua teia envolta do enfeite. Tal como aquela aranha dedicada  assim pretendia fazer para não frustrar a oportunidade que surgira. No dia seguinte começaria o trabalho em um dos armazéns dos Fontes,calculava que no próximo mês o dinheiro seria enviado para sua mãe. Ao menos aquela parte do mau seria interrompida.
Havia consiguido !?
   Naquele dia mais tarde;confidenciou em seu diário:
   Uma nova etapa acredito que atravessei. Sei que outros desafios hão de vir e precisarei ter forças e agarrar a coragem para poder superá-los. O meu coração está mais leve e minha alma sente-se livre.
 
*Dani Cristina
Obrigada por passar por aqui.
Até a próxima;
Abraços e sucesso com as palavras!

Um comentário:

Meire disse...

Oi Dani,

lindo seu novo blog, agora eu estou com compromissos para resolver mas voltarei para ler com carinho,ok.

Bejim.